“O avanço do mar não pode ser, em nosso tempo, tratado apenas como um fenômeno natural”
Associado às mudanças climáticas e aos intensos processos de intervenção humana, o avanço do mar não pode ser, em nosso tempo, tratado apenas como um fenômeno natural. No caso dos territórios costeiros, os impactos deste avanço estão vinculados à predominância de um modelo de desenvolvimento que elege o crescimento econômico como único parâmetro de mensuração de sua eficácia, tendo a dominação/exploração dos povos e da natureza como mola-motriz de sua realização.
Nesse contexto, a aceleração do avanço do mar provoca impactos desiguais sobre os diferentes grupos que ocupam o espaço costeiro. Um conjunto de injustiças ambientais que expressam as marcas de uma sociedade insustentável, representando grave ameaça à existência e reprodução cultural das populações tradicionais costeiras.
Grupos sociais que historicamente desenvolvem atividades extrativistas relacionadas à pesca artesanal e à produção de alimentos associados à agricultura familiar. Vida, trabalho e lazer, respeitando à dinâmica dos ecossistemas naturais, ao movimento das marés, dos campos de dunas móveis e toda dinâmica costeira. Um fazer no qual aprenderam secularmente a situar com segurança suas moradias e locais para a produção de alimentos, garantindo o sustento de suas famílias e vizinhanças.
Entretanto, a partir da década de 1970, as populações costeiras têm sido obrigadas a lidar com fortes mudanças em seu cotidiano devido à privatização dos territórios costeiros por grandes projetos de infraestrutura turística, residências de luxo, complexos portuários, instalação de projetos de aquicultura e parques eólicos, bem como o crescimento populacional e a expansão urbana, comprometendo o direito de acesso das comunidades tradicionais aos seus territórios.
Há muitos relatos de marisqueiras, pescadores e acadêmicos sobre os impactos desses projetos e uma possível relação com a aceleração do avanço do mar. Uma questão urgente e desafiadora aos órgãos ambientais, às instituições de pesquisa e aos movimentos sociais para o enfrentamento dos problemas e a construção de respostas estratégicas que assegurem os direitos das populações aos seus territórios. Iniciativas com propostas transformadoras, que busquem a implementação de políticas públicas coerentes com a garantia da sustentabilidade da biodiversidade na zona costeira, absolutamente importantes para a manutenção da vida em nosso planeta.