Painel recomenda medidas contra extremos climáticos no litoral brasileiro
Ressaca no costão da Avenida Niemeyer, em São Conrado: no início do ano, ondas atingiram ciclovia, matando duas pessoas – Gabriel de Paiva/28-4-2016 |
RIO — Um dos legados olímpicos transformou-se no cenário de uma tragédia pouco depois de sua inauguração. Em janeiro do ano passado, a ciclovia Tim Maia, na Zona Sul do Rio, desabou após ser atingida por uma forte onda, provocando a morte de duas pessoas. O episódio é lembrado em um novo relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), que menciona os fenômenos naturais danosos à frágil infraestrutura do litoral do país.
O documento, batizado “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, dedica atenção especial às quatro principais capitais litorâneas do país — Rio, Fortaleza, Salvador e Recife —, além de Santos e da Foz do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, que possui importantes portos e balneários turísticos. Todas as regiões analisadas estão sujeitas a eventos extremos como chuvas intensas, ventos fortes e aumento da temperatura mínima. Entre os desastres naturais, os pesquisadores elencam inundações e deslizamentos de terra.
PREJUÍZO BILIONÁRIO
Em um estudo de 2014, o Banco Mundial alertou que, em meados do século, a elevação de 0,2 metro do nível do mar pode provocar prejuízos econômicos anuais de US$ 940 milhões em 22 das maiores cidades costeiras da América Latina. Se o avanço fosse de 0,4 metro, os danos alcançariam o patamar de US$ 1,2 bilhão.
Cerca de 60% da população brasileira mora na zona costeira, onde é produzida 30% da riqueza nacional. O crescimento urbano desta região, segundo o relatório, “tem sido associado basicamente a interesses econômicos, sem considerar o risco e exposição aos impactos da elevação do nível médio do mar e dos extremos meteorológicos”.
— Há uma lacuna no conhecimento sobre os efeitos do aumento do nível do mar. Há poucos registros históricos disponíveis no país. É uma área menos estudada do que outras relacionadas às mudanças climáticas, como o avanço da estiagem e do desmatamento — ressalta Fábio Scarano, diretor-executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e professor do Departamento de Ecologia de UFRJ. — Sessenta por cento da população brasileira habita as faixas costeiras, onde estão 18 regiões metropolitanas. Sua análise é importante sob o ponto de vista científico e de políticas públicas. Estas localidades são as maiores emissoras de gases-estufa no Brasil e, também, as principais vítimas desses poluentes.
O painel alerta que o aumento do nível do mar poderá provocar “a inundação de rodovias costeiras ou mesmo de extensos centros urbanos. Danifica estruturas como pontes, viadutos, calçadões, passarelas”.
Andréa Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, destaca os problemas em comum dos pontos estudados:
— Todos são vulneráveis devido à ocupação popular e à falta de infraestrutura adequada. Existem sérios riscos de desabamento de encostas. E as inundações previstas também provocarão sérios impactos em importantes setores da economia, como o funcionamento do porto de Santos — explica.
Scarano ressalta que a inércia do poder público provocará gastos emergenciais e muito maiores no futuro. O ecologista pondera que, mesmo se a emissão de poluentes fosse imediatamente interrompida, os gases de efeito estufa permanecerão na atmosfera por até 100 anos.
De acordo com o PBMC, o país precisa separar recursos para tirar do papel seus planos de adaptação contra as mudanças climáticas. As prefeituras, por exemplo, devem criar planos metropolitanos. Também é necessário elaborar um plano climático nacional, semelhante ao que já existe para a preservação da biodiversidade: “Deve-se ter familiaridade com os riscos de desastres não só para os gestores ambientais, mas para aqueles ligados aos setores produtivos e desenvolvimento. As soluções de governança e políticas devem ter caráter integrado e não apenas setorial”.
— Considerando a previsão do aumento do nível do mar, a população pode ser forçada a trocar o litoral pelo interior. O morador da orla carioca não terá escolha — avalia Scarano. — O Rio não tem diques, que são obras caras e cada vez mais adotados em países como Holanda e Austrália. Aqui, ainda existem táticas mais baratas, como a recuperação dos mangues e de outras regiões desmatadas, como os morros tomados por favelas.
MAIS ENGARRAFAMENTOS
Segundo o relatório, mais de 1.200 km² da Região Metropolitana do Rio está em uma zona de “baixa elevação”, evidenciado os riscos associados à ocupação desordenada do litoral. Entre as áreas mais vulneráveis estão a Baía de Sepetiba, a Baixada Fluminense e o sistema lagunar de Jacarepaguá, além de uma porção na Baía de Guanabara próxima aos municípios de Guapimirim, Magé, Itaboraí e São Gonçalo, conhecida pela extensa vegetação de mangue.
Os índices pluviométricos, por sua vez, constatam que a capital fluminense está se tornando mais úmida. O efeito das chuvas intensas foi detectado pelo Instituto Pereira Passos, responsável pela cartografia do Rio. Através de um modelo digital, o órgão identificou as áreas mais baixas do município, as principais vulneráveis ao aumento do nível do mar — entre elas, estão a região portuária, a Ilha do Governador e o Aterro do Flamengo. Logo, os dois principais aeroportos da cidade, Galeão e Santos Dumont, estão sob risco de ter as pistas inundadas.
— Depois da infraestrutura, o setor de transportes é o mais prejudicado — conta Andréa Santos. — Os eventos extremos podem interromper o tráfego aéreo, principalmente no Aeroporto Santos Dumont, cuja pista está na altura da Baía de Guanabara e, portanto, é facilmente sujeito a alagamentos. As chuvas intensas também aumentarão os congestionamentos. Na Europa, diversas cidades já perceberam essas transformações e, por isso, procuram transportes alternativos, como a bicicleta. No Rio, porém, não há investimento em mobilidade urbana, e falta integração entre os modais.
Os autores do documento recomendam a realização de novas análises de risco de desastres naturais, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Os estados devem reformar seus planos para conservação de ecossistemas costeiros e geração de renda. O Rio já conta com projetos nesta área, mas a cidade ainda tem a maior emissor de CO2 por habitante no Brasil (3,4 toneladas por ano), seguida por Recife (2,03 t) e Fortaleza (1,56 t).
Fonte: O Globo