POLINÉSIA FRANCESA QUER TRAVAR SUBMERSÃO COM ILHAS FLUTUANTES

Uma lagoa da ilha de Taiti. Será junto desta ilha que será erguido o projeto das cidades flutuantes representada na foto abaixo

Projeto manterá acima do nível das águas país de 270 mil pessoas, que todos os anos perde terreno para o mar. Construção começa em 2018 e pode custar até 50 milhões de dólares

Quando o ex-engenheiro informático da Google Patri Friedman surgiu com a ideia de construir ilhas flutuantes, tinha em mente um grupo de compradores muito particular: libertários que quisessem viver em liberdade longe do alcance dos governos. Mas o seu plano futurístico encontrou uma nova, muito motivada e muito diferente audiência – um grupo de pequenas ilhas no outro lado do mundo que estão a ser, lenta mas inexoravelmente, submersas pelo nível de mar que não cessa de subir.

A Polinésia Francesa, no Pacífico, que procura alternativas às consequências do aquecimento global, assinou em janeiro um contrato para a compra e colocação de ilhas flutuantes junto das suas costas.

“Os sonhos pertencem àqueles que estão dispostos a andarem para a frente e torná-los reais”, disse Jean-Christophe Bouissou, ministro da Habitação polinésio, numa cerimónia em São Francisco onde assinou um memorando de entendimento com o Instituto Seasteading.

O instituto – cujo nome combina “mar” e “apropriação original” (Homesteading) – é um projeto de Peter Thiel, empresário de Silicon Valley, que o ajudou a fundar e investiu mais de um milhão de dólares nas ilhas flutuantes, com Patri Friedman. Thiel abandonou o projeto, mas Friedman levou-o a bom termo. E com a possibilidade de criar novos Estados flutuantes, este último ganhou adeptos entre os libertários, cuja ideologia sustenta que maior liberdade é um incentivo para as pessoas, diz Doug Bandow, do Instituto Cato, um think thank libertário baseado em Washington. Mas, agora, com a possibilidade de manter à tona de água um país que se está a afundar, é uma nova mais-valia para esta tecnologia. “Se [as nações-ilha] estão a sentir-se ameaçadas com a subida das águas, podem considerar esta opção como a melhor para as suas populações”, disse Bandow.

A subida das águas

“Claro que viver em construções flutuantes permanentes é muito diferente de viver no território de uma ilha. No entanto, se pensarmos ser inevitável uma relocalização, é melhor permanecer na região do que ter de ir em massa para outro país”, afirma o investigador do Cato.

As pequenas ilhas do Pacífico correm elevado risco de perderem terra devido ao rápido avanço do mar (que se prevê seja entre 26 e 82 centímetros) ao longo do século XXI, segundo o painel intergovernamental para as mudanças climáticas da ONU. Em 2013, um estudo sobre 1200 ilhas sob administração francesa estabeleceu que a Polinésia Francesa e a nova Caledónia, também no Pacífico Sul, são as ilhas com maior risco de serem completamente submersas. O ministro Bouissou pensa que as cidades flutuantes são o tipo de solução fora da caixa que pode resolver o problema. “Há poucas pessoas com esta capacidade de verem longe”, diz Bouissou em entrevista telefónica.

Muitos dos 270 mil habitantes do território têm-se habituado, nos últimos anos, a verem as suas casas inundadas com frequência.

Projeto-piloto

Nos termos do acordo com a Polinésia Francesa, o Instituto Seasteading vai estudar o impacto económico e ambiental do projeto, que será custeado pelo próprio. Se os resultados forem positivos, o instituto tentará obter financiamento para a construção de três plataformas de 50×50 metros, alimentadas por energia solar. Estas ficarão situadas numa lagoa junto de Taiti e transformadas em zona económica especial, na expectativa de atrair empresas do setor tecnológico.

Uma antevisão animada do projeto mostra as ilhas com palmeiras e edifícios com a forma da flor nacional, a gardénia do Taiti. Navios estão ancorados em portos de calmas águas, a curta distância de uma praia de areias convidativas. Os detalhes de engenharia para a construção das ilhas estão ainda em estudo. Sabe-se que, para melhor resistência aos elementos, as ilhas serão plataformas modelares, que poderão ser ligadas entre si como as folhas num ramo de árvore.

O custo estimado é entre 10 e 50 milhões de dólares, com a construção a começar em 2018. “Não vamos pedir dinheiro ao governo. Se falhar, absorvemos os riscos”, diz um porta-voz do instituto.

Críticas

As cidades flutuantes têm os seus críticos. O diretor do Centro Sabin para o Direito das Mudanças Climáticas da Universidade de Nova Iorque, Michael Gerrard, pensa que o projeto afasta a atenção das raízes do problema. “As pessoas avançam com ideias futuristas como se dissessem que as mudanças climáticas não são graves, tanto que se arranjam soluções como esta”, disse Gerrard. Mas o “mais importante que há a fazer é controlar as emissões de gases de efeito de estufa, para as ilhas não serem submersas”.

Alexandre Le Quéré, um jornalista local, pensa que o projeto ainda tem de entusiasmar a população local. O cancelamento de um projeto que era suposto atrair estrangeiros e estimular a indústria turística – o projeto de Mahana Beach – deixou as pessoas “na dúvida”, disse numa entrevista por e-mail. Por outro lado, um projeto semelhante na costa das Honduras do mesmo instituto, em 2015, acabou por ser suspenso devido à instabilidade política. Mas o instituto acredita que acabará por concretizá-lo. E o da Polinésia Francesa tem muito mais condições de sucesso, diz um porta-voz do Seasteading.

Há um fator fundamental, afirma o investigador do Instituto Cato. “Se encontrarmos governos dispostos a chegar a um acordo e havendo condições para concretizar o projeto, então todo o conceito parece muito mais prático e realista”, refere Bandow.

Jornalista da Reuters

Fonte: www.dn.pt