ALARGAMENTOS DE PRAIAS EM SC AFETAM ORLAS VIZINHAS E CAUSAM POLUIÇÃO DA ÁGUA E DO AR, APONTA ESTUDO DA UFSC

Quatro pesquisadores da instituição assinam nota técnica após análises de licenças de praias engordadas em Florianópolis e Balneário Camboriú.

Por Caroline Borges, g1 SC

Obra de alargamento da faixa de areia na Praia Central, em Balneário Camboriú — Foto: PMBC/Divulgação

Uma análise técnica elaborada por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) apontou que as obras de alargamentos nas praias causam consequências também às orlas vizinhas, além de provocarem poluição da água e do ar. O estudo publicado no 2° semestre deste ano examinou as licenças ambientais de três praias de Florianópolis e uma de Balneário Camboriú.

Obras analisadas no estudo:

1. Praia de Canasvieira, em Florianópolis: alargada entre 2019 e 2020;

2. Praia Central, em Balneário Camboriú: alargada em 2021;

3. Ingleses, em Florianópolis: alargada em 2023;

4. Praia de Jurerê, em Florianópolis: obra não iniciada. 

No documento, os especialistas propõem estudos mais detalhados sobre os impactos das megaobras em Santa Catarina, além da atualização da resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). O texto é o que o rege esse tipo de projeto no estado.

O grupo, formado pelos pesquisadores Gabrielli Scussel Pereira, Alessandra Fonseca, Paulo Pagliosa e Paulo Horta, também afirma que o aspecto econômico não deve ser justificativa única para a execução das obras.

Isso por que, conforme o estudo, o alargamento funciona apenas como “amortecedor temporário” contra a erosão litorânea. Caso outras estratégias não sejam tomadas em paralelo, há possibilidade de que o mar volte a “engolir” as áreas.

“Precisamos discutir a questão do engordamento, da recuperação ou da restauração das nossas praias que foram degradadas. Mas esse processo, de fato, tem que levar em consideração todos os aspectos ambientais. Que os estudos sejam detalhados, minuciosos e que se coloque o processo de engordamento no grande contexto de enfrentamento das mudanças climáticas”, detalha.

Além disso, a obra não resolve o problema total da erosão, conforme a nota técnica. Um exemplo citado pelos pesquisadores é a formação de “degraus” na faixa de areia e mais de 80 metros engolidos pelo mar na praia de Balneário Camboriú. A situação ocorre menos de dois anos após o fim do serviço.

‘Degrau’ na Praia Central de Balneário Camboriú — Foto: Luiz Souza/Arquivo NSC TV

Impacto em outras praias e poluição

Os autores da nota técnica fazem parte do programa de pesquisa e extensão chamado “Ecoando Sustentabilidade”.

Entre eles está Paulo Horta, que afirma que a dragagem e aterro de praias não têm impacto apenas local, trazendo, assim, consequências para o ambiente próximo às orlas que passaram por obras.

Um dos exemplos citados é o aterramento da Praia de Canajurê, na região Norte de Florianópolis, após a obra de alargamento na Praia de Canasvieiras.

No documento, os especialistas também citam a abrangência regional da obra na Praia dos Ingleses, onde a porção esquerda da praia também foi aterrada. Nenhuma das duas ações estava prevista no Estudo Ambiental Simplificado (EAS), conforme a análise da universidade (imagem abaixo).

Imagem mostra impacto de alargamento das praias de Canasvieiras e Ingleses — Foto: UFSC/Divulgação

Segundo Horta, as licenças e autorizações para as obras devem levar em consideração e saber sobre a extensão da poluição do ar e da água provocada pelos serviços.

“Isso é algo que precisa ser considerado no processo de avaliação de impacto”, defende o professor ao citar a liberação de combustíveis fósseis pelas grandes dragas nas obras.

Na água, explica, a degradação ocorre, por exemplo, quando a areia é retirada do fundo do mar para aumentar a orla. Esse processo mexe em materiais que estavam imobilizados abaixo da areia. O serviço causa alteração do ecossistema da praia e, por isso, precisa ser dimensionado detalhadamente, defende o professor.

A reportagem do g1 procurou a prefeitura de Florianópolis para comentar o entendimento sobre a nota da UFSC em 5 de dezembro por e-mail e contato telefônico.

Em retorno, o município se manifestou sobre o projeto de alargamento na Praia dos Ingleses afirmando “que atendeu todas as exigências quanto à segurança do espaço aquaviário”.

A administração municipal não descreveu, no entanto, os detalhes sobre as outras praias que passaram por obras (leia a manifestação do município no fim do texto).

Já Balneário Camboriú não retornou a reportagem após os pedidos de informação sobre a obra na Praia Central.

IMA estuda atualizar processos

Responsável por liberar licenças ambientas em Santa Catarina, o Instituto do Meio Ambiente do estado (IMA) afirma que está elaborando uma proposta de aperfeiçoamento para a resolução do Consema, que é o responsável por reger os projetos de alimentação artificial das praias. Uma atualização da própria instrução normativa também é debatida.

A decisão ocorreu dentro do 1º Workshop sobre Alimentação Artificial de Praias – Prática e Gestão Ambiental, evento feito em 21 de novembro que debateu a erosão das regiões litorâneas catarinenses.

Foram discutidos outros aspectos da atividade, como a proteção costeira, regeneração ambiental e os projetos.

Em nota enviada ao g1, o IMA também destacou que “todos os procedimentos de licenciamento ambiental cumpriram os requisitos para a concessão das licenças e, portanto, foram conduzidos à luz do que preconiza a atual legislação ambiental” (leia a íntegra no fim do texto).

O Consema também foi questionado pela reportagem e afirmou, em nota, que não recebeu qualquer encaminhamento de questionamento ou proposição formal de mudança da resolução. No entanto, irá apresentar a discussão no conselho do órgão (veja a íntegra mais abaixo).

O que diz o IMA

“A Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente nº 98, de 5 de maio de 2017, elenca as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental bem como os critérios para elaboração dos estudos ambientais necessários no estado de Santa Catarina.

Os processos de alimentação artificial de praias conduzidos recentemente foram licenciados com base nos critérios estabelecidos por esta Resolução bem como pela Instrução Normativa do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina nº 18 – Atividades de dragagem.

Os sedimentos dispostos nas praias foram avaliados segundo os critérios da Resolução CONAMA nº 454, de 1º de novembro de 2012, a qual estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos referenciais para o gerenciamento do material a ser dragado em águas sob jurisdição nacional, sendo considerados adequados em todos os casos.

Ou seja, todos os procedimentos de licenciamento ambiental cumpriram os requisitos para a concessão das licenças e, portanto, foram conduzidos à luz do que preconiza a atual legislação ambiental”.

O que diz o Consema

“Referente a Nota Técnica da UFSC que trata sobre a realização de dragagens e aterros em praias arenosas, informamos que não localizamos no âmbito do CONSEMA qualquer encaminhamento de questionamento ou proposição formal de mudança da Resolução CONSEMA 98/2017 com relação aos códigos de atividades mencionados no item 6 da referida nota. Sendo assim, considerando que a atualização da citada resolução está em trâmite no âmbito da Câmara Técnica de Licenciamento (CTL), iremos apresentar a demanda na próxima reunião ordinária do plenário do Conselho (dia 8/12) para que seja deliberado sobre o envio para discussão na CTL e/ou na Câmara Técnica de Gerenciamento Costeiro (CTGERCO)”.

O que disse a prefeitura de Florianópolis

A Prefeitura de Florianópolis informa que, a partir da elaboração do estudo ambiental para alargamento da faixa de areia na Praia dos Ingleses, foram avaliados os possíveis impactos, e assim propostas as respectivas medidas mitigadoras, bem como os planos e programas de monitoramento ambiental visando atender as exigências dos órgãos responsáveis. O executivo municipal também atendeu todas as exigências da Superintendência do Patrimônio da União e capitania dos portos de Santa Catarina, quanto à segurança do espaço aquaviário, além de segurança dos trabalhadores e frequentadores. Além disso, a PMF reforça que são realizados monitoramentos tanto do espaço terrestre bem como aquático durante a operações de alargamento”.

FONTE: G1 SC