Após décadas de destruição, o mar de Atafona, no litoral de São João da Barra, deu uma trégua, recuando cerca de cem metros da costa. Embora um alívio para alguns, o processo erosivo não se estabilizou, segundo estudiosos, pescadores e ambientalistas. Eles afirmam que o fenômeno pode causar estragos ainda maiores nos próximos anos, mas não sabem precisar quando novas investidas contra o continente podem acontecer.
Registros de avanços e recuos na praia começaram a ficar conhecidos em 1926. O botânico campista Alberto Sampaio preparou um trabalho para o historiador Alberto Ribeiro Lamego, que o publicou em seu livro “O Homem e a Restinga”, relatando que o mar avançou e recuou 300 metros da avenida Atlântica. Ele descreveu a movimentação do mar em 15 anos, em 1941.
De acordo com o professor-adjunto do Departamento de Engenharia Cartográfica, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gilberto Pessanha Ribeiro, a erosão costeira em Atafona volta à discussão hoje, no XIV Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar — Colacmar, no balneário de Camboriú, Santa Catarina.
— O cenário da zona costeira se modificou nos últimos dois anos, as ressacas de inverno não foram tão agressivas como em 2008/09. Há indicativos de alterações da topografia do fundo do mar na borda da plataforma continental, adjacente à praia atual, com caracterização de bancos arenosos submersos que têm amortecido as ondas, promovendo no pontal uma praia mais extensa aparentemente estável. Esse episódio pode ser temporário, e pode ter também influência de nova distribuição na deposição de sedimentos por conta também da movimentação da dragagem vinculada às obras do porto do Açu — explicou.
Longe do conhecimento acadêmico, a comunidade pesqueira diz que o mar voltará a avançar, e com maior intensidade. “O que se viu nos últimos anos foi o mar avançar e se afastar. O avanço é sempre crescente depois do recuo”, diz o pescador Roberto Alves Barreto, que lida com o mar há 40 anos.
O professor Aristides Soffiati, do Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza (CNFCN), compartilha a mesma opinião com dois especialistas em dinâmica costeira no país, Dieter Müehe e Enise Valentini. Segundo eles, o processo de avanço do mar e de erosão da costa se deve ao desmatamento em toda a Bacia do Paraíba e às barragens que foram construídas ao longo do rio e de seus afluentes, sobretudo a barragem de Santa Cecília, que transpõe água para o sistema Guandu, a fim de abastecer o Grande Rio. “Agora, assistimos a um outro fenômeno, que poderia ser considerado natural: o recuo do mar. Ainda não contamos com estudos para explicar o que, em linguagem científica, denomina-se regressão marinha. Convém, contudo, adotar prudência. Assim como vemos agora um episódio de regressão, pode acorrer um novo episódio de transgressão marinha”, concluiu.
Lembranças que as águas não levaram
Fora os prejuízos materiais, os proprietários das vilas e vivendas, a maioria campistas, lamentam a maior perda já sofrida — a sentimental —, comparando-a com um golpe mortal em suas histórias de vida. Para a jornalista Sílvia Salgado, ex-proprietária da Vila Bolinha, o mar só não consegue apagar as lembranças. “Ainda não me dei conta de que a casa não existe mais. Hoje alugo outros imóveis para passar o verão na praia, mas sinto que não é a mesma coisa. Atafona era a minha casa. Saudades das noites dormidas lá, das conversas à sombra das amendoeiras. A casa continua no meu coração”, comentou.
Já o médico e acadêmico Welligton Paes contou que a Vila Nini, em homenagem à sua mãe, foi mais que um capítulo em sua vida: “Me recordo de uma foto que tiramos com mamãe e meus dois irmãos nos anos 70 na varanda da casa. Meu pai também, quando adoeceu, pedia para ser levado para Atafona, onde aprendemos a gostar da praia e passamos a frequentá-la cada vez mais”, disse.
Os herdeiros de Alberto Branco lembram com saudosismo da Vivenda Aída, uma das construções confusas durante a implantação do Plano Agache. “Ajudamos a construir a história do carnaval no Cassino e foi uma época que deveria durar eternamente. Quando meu pai construiu a vivenda, a fachada em arcos que rodeavam toda a varanda foi polemizada pelos arquitetos, pois não se sabia se ela deveria ser de frente para o mar ou para a rua Nossa Senhora da Penha”, contou a soprano Alcinéa Branco Ghizi.
Estimativa de 400 imóveis destruídos desde 1973
Os sucessivos avanços do mar a partir de 1973 não pararam apenas na destruição da vila de pescadores, no antigo Pontal. Quadras inteiras com moradias, comércio, capelinha, sinaleiro para embarcações e um conjunto de apartamentos que abrigaria o primeiro hotel da praia foram levados pela força das ondas. De acordo com pesquisadores, o número exato das perdas imobiliárias nunca foi conhecido. No entanto, estima-se que cerca de 400 imóveis tenham sido destruídos em todo o período.
A avenida Atlântica, projetada pelo urbanista francês Donat Alfred Agache nos anos 40, perdeu espaço para o mar. A faixa de areia ficou cada vez menor, e o alerta de novas invasões era dado por especialistas em transgressão do mar, como o professor Guilherme Lindroth, da Universidade do Paraná, que esteve em Atafona em meados de 2000, a convite do governo municipal. Diversas versões foram apresentadas para o problema, que teria solução segundo o engenheiro campista, com Formação Costeira, Vicente Ponce Pasini Júdice, mas as obras custariam um absurdo aos cofres federais.
Atendendo pedido do Ministério Público Federal (MPF), o professor Paulo César Colonna Rosnam, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou em 2008 um estudo sobre a atual situação da faixa costeira de Atafona, quando atestou que seria menos dispendioso indenizar as famílias que perderam seus imóveis do que executar obras de grande porte no trecho. Ele aconselhou que a população nas imediações deve ser retirada, diante de novas ameaças do mar.
Fonte: http://fmanha.com.br/#1219359899/1320316909
MEU COMENTÁRIO:
Estive em Atafona a convite do Governo Municipal num Seminário sobre Erosão Costeira em dezembro de 2010. Durante o evento apresentei num painel os resultados positivos do uso do Dissipador de Energia Bagwall no litoral do Brasil.
As informações contidas na matéria relativas aos custos de obras de defesa costeira são anteriores ao Seminário e desatualizadas.